quarta-feira, 1 de agosto de 2012

A 'obscenidade' em Hollywood (VII)* - recortes

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"(...) Se houvesse um homem que ousasse dizer tudo quanto pensa deste mundo, não restaria um palmo quadrado de terra onde ficar. Quando um homem aparece, o mundo cai sobre ele e quebra-lhe a espinha. Restam sempre em pé pilares apodrecidos demais, humanidade supurada demais para que o homem possa florescer. A superestrutura é uma mentira e o alicerce é um medo enorme e trêmulo. Se com intervalos de séculos aparece um homem de olhar desesperado e faminto, um homem que vira o mundo de cabeça para baixo a fim de criar uma nova raça, o amor que ele traz ao mundo é transformado em fel e ele torna-se um flagelo. Se de vez em quando encontramos páginas que explodem, páginas que ferem e queimam, lágrimas e pragas, sabemos que elas provêm de um homem com as costas na parede, um homem cuja única defesa restante são as suas palavras, e as suas palavras são sempre mais fortes do que o peso mentiroso e esmagador do mundo, mais fortes que todos os ecúleos e rodas que os covardes inventam para esmagar o milagre da personalidade. Se algum homem ousasse traduzir tudo quanto há no seu coração, expressar o que é realmente a sua experiência, o que é realmente a sua verdade, penso que o mundo se despedaçaria, que se reduziria a pedacinhos e nenhum deus, nenhum acidente, nenhuma vontade poderia jamais reunir novamente os pedaços, os átomos, os elementos indestrutíveis que entraram na formação do mundo. 

Nos últimos quatrocentos anos desde que apareceu a última alma devoradora, desde que existiu o último homem a conhecer o significado do êxtase, tem-se verificado um declínio cconstante e firme do homem na arte, no pensamento e na acção. O mundo está gasto: não resta um peido seco. Aquele que tem um olhar desesperado e faminto poderá sentir a mínima consideração pelos governos, leis, códigos, princípios, ideais, ideias, tótemes e tabus existentes? Se alguém soubesse o que significou ler o enigma daquilo a que hoje se chama uma 'racha' ou um 'buraco', se alguém tivesse experimentado o mínimo sentimento de mistério acerca dos fenómenos que são rotulados de 'obscenos', este mundo teria estoirado. É o horror obsceno, o aspecto seco e fodido das coisas que faz com que esta louca civilização pareça uma cratera. (...)" (Henry Miller, in Trópico de Cancer)

* Já me tinha esquecido desta série de posts, que começou depois de ver o Showgirls. Lembrei-me dela depois de ter lido este post do Ricardo Lisboa. Tenho uma data de séries pendentes, etc, etc. Prometo acabar esta, pelo menos. Seguem-se Alfred Hitchcock, Billy Wilder, Blake Edwards e Verhoeven, no fim, só para dar a ideia que ainda não perdi o fio à meada.

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