terça-feira, 24 de agosto de 2010

Sobre os Coen



Antes de mais, isto. Não tenho grande apreço pelos Coen, e salvo raras excepções (The Big Lebowski), pouco me dizem aquelas superficiais névoas de filmes. Isto, quando são, de facto, superficiais: o que eles faziam era pegar num género, floreá-lo com "inteligência" (muitas, muitas, aspas aqui) e desenvolvê-lo não a partir do que deve ser o motor de um filme (personagens, ideias de montagem e Cinema, vá) mas da ideia oca que tinham desse género (o film noir de The Man who wasn`t there e Blood Simple, a screwball comedy de Intolerable Cruelty, que é nada menos que intolerável, ou o western de No Country for Old Men, etc), era isto que motivava e justificava os seus filmes e que resultava numa futilidade fílmica e sem alma, quanto a mim. Era a ideia de uma ideia (de uma ideia....) de Cinema e fruto de quem por ele pareciam não ter respeito, um corromper e uma paródia aos filmes e aos géneros. Ah e No Country for Old Men nunca será "mau Peckinpah", mas a tentativa de reprodução de uma ideia de uma ideia de mau Peckinpah.

Claro que partir do género para um filme não é mau por si, se se faz, por exemplo, como um Leone ou um Carpenter, com um mínimo de destreza formal e preocupação histórica, com as devidas referências e percepção de um passado estético, precisamente. Nunca um filme poderá ser uma sucessão mais ou menos programática de maneirismos e pré-conceitos de um género.

Escrito isto, e não é por acaso que está ali em cima uma foto de A Serious Man, noto que depois de No Country for Old Men, os Coen parecem ter abandonado este esquematismo desleixado e enveredaram por algo mais próximo das personagens (Burn After Reading é, invariavelmente, um filme de personagens) e que tenta reflectir sobre algo minimamente ligado à realidade. Finalmente parece haver uma preocupação em trabalhar a superfície e em desenvolver laços entre as personagens e o espaço, nem que seja para ilustrar a sua inadaptidão em pertencer a esse espaço, neste caso social, a vida em sociedade.

Assim, Burn After Reading e A Serious Man marcam uma ruptura em relação à obra anterior dos realizadores e uma ruptura consciente, quer-me parecer. Apercebendo-se da sua inadaptidão em filmar o real, se assim se pode dizer, os Coens filmam personagens a tentar (e a não conseguir) pertencer ao real e fazem disso uma obsessão temática. O primeiro é uma comédia que tem como trama, a construcção de uma trama, precisamente, por parte das personagens, pessoas que vêem filmes a mais e que deambulam entre a realidade e o que lhes parece a realidade, transformando um incidente numa conspiração mundial e fictícia, mas que lhes traz consequências muito reais. O segundo é o melhor filme americano do ano passado, junto com o Inglourious Basterds e o A Single Man e capta as frustrações (muito humanas) de Larry Gopnik, um professor universitário (o Colin Firth de A Single Man também o é) que se vê confrontado com a ameaça de um divórcio, um despedimento e a exclusão social - unfit. Sem desenvolver e pensar muito no assunto, digo que é o melhor filme dos Coen e que por este, sim, podiam ter ganho os Óscares.

A Simple Plan era o filme que os Coen gostavam de ter feito, até terem feito estes dois filmes...

segunda-feira, 23 de agosto de 2010


O plano final de Broken Flowers é um travelling em redor do corpo inerte de Bill Murray, porque foi assim que se convencionou descrever tal movimento de câmara. Mas pensar que assim é, é pensar que este se assemelha a qualquer outro travelling em redor seja de quem for, quando isso não é verdade.

Toda a sequência final do filme é preparada para este plano, com o intuito último de tecer um juízo à conduta de Don Johnston. É perfeitamente justo que quem tantas voltas deu na cama, acabe o filme "aos círculos", numa busca infindável. Mas, atenção, que não há paternalismos (a denominação adequa-se perfeitamente, eheh) baratos nisto; a câmara (Jarmusch), por quase duas horas acompanhou, à distância, a viagem de auto-descoberta do personagem sem formar opiniões, é só no fim que o faz.

É o juíz e o carrasco.

Planos (XV)



"Broken Flowers", de Jim Jarmusch

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Escape From L. A., hoje às 21h30 no Canal Hollywood.

Falava há dois posts, a propósito da personagem de Harvey Keitel em Bad Lieutenant, em apostas inconscientes com o perigo e a morte. Ainda que redutor, isto descreve também a personagem de Burt Lancaster, se calhar ainda melhor. Qual puto, aos tiros e murros pelo Oeste fora, sem olhar a meios e sem medo das consequências, Joe Erin é alguém a esperar (desesperando) pela morte. Sempre aos risos e gritos, e com a desculpa de um tesouro mexicano, ele está preso num limbo que o protege e o permite fazer o mal. Assim, lutando com ele mesmo (e por extensão, com os outros), conhece o seu trágico destino, e desde o princípio não duvidamos de que algo trágico irá acontecer.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Planos (XIV)

























"Vera Cruz", de Robert Aldrich

"Bad Lieutenant" - 1992



Construído em torno da interpretação de Harvey Keitel como o bad lieutenant do título, muito cedo no filme se transcende a noção de guião e interpretação. É a obsessão de Ferrara por um polícia corrupto e suas acções em sociedade e filme que não pretende (nunca) denunciar condutas ou comportamentos (pelo menos não mais que os expôr, à distância - a câmara não fabrica emoções, tenta captá-las ).

Cedo, também, no filme, nos apercebemos que não podemos julgar o lieutenant, não só por ser uma alma em suplício e em conflito constante consigo mesma mas também por tal personagem nos fazer entender que nas circunstâncias propícias, o ser humano é capaz de tudo. Há aqui uma moral languiana, por assim dizer, e não deixei de ver semelhanças entre o Beckert atormentado de M e este tenente do filme de Ferrara, por exemplo.

Não sei se Ferrara acredita em Deus ou não, mas como dizia já Rivette sobre Dreyer, os filmes acreditam por ele, há uma espécie de ligação com o divino por parte dos personagens (e quando digo os filmes, falo só deste e de The Funeral, que bem vistas as coisas se podia chamar O Sangue) que os acaba por redimir, ainda que violentamente, drasticamente, em relação aos outros e a eles mesmos (penso em Keitel e Chris Penn), as suas últimas acções anulam as primeiras, ou assim nos faz pensar Ferrara...

Outra maneira de ver as coisas, e aqui só no que a Bad Lieutenant diz respeito, é ligando o destino de Keitel às apostas que constantemente fazia (e se calhar nem é preciso ligá-las, elas estão "visceralmente" ligadas). Gozando (jogando) com o perigo e a morte de forma infantil e inconsciente, o jogador tem inevitavelmente de perder e a sorte, quando acaba, acaba da pior das maneiras. Quando Keitel apostava naqueles jogos, fazia-o automaticamente como se disso dependesse a sua existência. Apostava a vida. Tudo ou nada...

PS: O remake do Herzog é um revirar de todas estas questões, um olhar cínico e divertidíssimo (coisa que, a ler críticas, não estava à espera) à corrupção e ao sistema com um Cage que parece uma fusão entre um Dude e um Nosferatu - coisa indescritível, porque é que não houve Óscar nem nomeação, pergunto. É o exacto negativo do Ferrara, é o que um remake pode e deve ser...

quarta-feira, 4 de agosto de 2010