sábado, 27 de fevereiro de 2010

Planos (III)




"You Only Live Once" de Fritz Lang

* peço desculpa pelas legendas mas foi o melhor que se pode arranjar...

"Rancho Notorious" - 1952

"Listen! Listen well: / Listen to the legend of Chuck-a-Luck, Chuck-a-Luck / Listen to the song of the gambler`s wheel / The souvenir from a bygone year / sppining a tale of the old frontier and a man of steel / and the passion that drove him on, and on, and on... / It began, they say, one summer day / when the sun was glazing down / It was back in the early 70s / In a little Wyomyng town / So, listen to the legend of Chuck-a-Luck, Chuck-a-Luck / listen to the wheel of faith / as round and round, with a whispering sound / it spins, it spins the old, old story of:
HATE, MURDER AND REVENGE"

Prova cabal de que os Langs americanos são tão prodigiosos e tão ou mais complexos que os alemães, porque estão aqui a vingança (e o ódio e o homicídio), a "caça ao homem" e o triângulo amoroso mais intensamente complexo dos anos 50. E porque 2 anos antes de "Johnny Guitar" já se ouvia falar em "spinning" e em "wheels" e já se tinha uma mulher (e que mulher) como elemento catalisador de TUDO, num Western. Claro que são ambos essenciais, mas permitam-me a preferência por este aqui (a memória a isso obriga). Ah, e antes do "High Noon" e de "Do Not Forsake Me, Oh My Darlin", houve uma canção de créditos que "tudo" disse sobre o seu filme...

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

"House by the River" - 1950

E por cá o ciclo Lang continua:

* E Porter e Griffith inventaram a montagem paralela para o Lang filmar a primeira cena de "House by the River", o mais hitchcockiano dos filmes de Lang, ou então era Hitchcock que era languiano (é mais isso). A culpa e a família, a violência e o medo - o Mundo, segundo Lang e o seu filme mais secreto. E o Psycho é, indubitavelmente, o seu "remake", a resposta, por assim dizer - o ralo da banheira, as escadas, a casa. É tudo tão igual...

Ainda "You Only Live Once"



(contém spoilers)

"Três vezes se fala neste filme de portas abertas. Logo no início, na primeira libertação de Fonda, o padre diz-lhe que ele é um homem para quem as portas estão todas abertas. Na célebre sequência da evasão, é o padre Dolan (antes de morrer) quem acaba por mandar abrir essas mesmas portas. E o filme termina com as palavras do padre Dolan, dum além mítico: You`re free, Eddie. The gates are open.

Das duas primeiras vezes, esse abrir de portas só significou a sua cerração.

No início ninguém, a não ser Sylvia Sidney e o padre, tem dúvidas sobre a recuperação de Fonda. A irmã diz a Joan que ela não tem qualquer possibilidade de ser feliz. You`re still one of the boys grita-lhe à passagem Monk, o futuro assaltante do banco, e o governador da prisão é assaz céptico. E o próprio Fonda parece não ter muitas ilusões. Quando o padre lhe observa que ele não parece muito feliz com a libertação, responde-lhe: Dei saltos da primeira vez que me puseram cá fora e voltaram-me a meter cá dentro (they rammened it right back down my throat). Há pouca gente como o senhor, lá fora.

Não demoraria muito tempo a verificá-lo: a noite de núpcias interrompida (os donos da pensão com os retratos dos cadastrados - convicts and their wives are not welcome in this tavern), despedimento ao primeiro pretexto. Fonda, contra Sidney, não tem qualquer razão para duvidar do eterno retorno, quando se sabe acusado de um roubo que não fez. Acaba por ceder (O.K. Kid. I`ll play it your way. But you`re gambling with my life... and if you´re wrong...).

Os acontecimentos (a condenação) vão dar-lhe razão. E multiplicam-se os sinais da mesma "caça ao homem" de tantos outros filmes de Lang: os vários títulos de jornal prevendo os possíveis desfechos do julgamento (essa extraordinária sequência muda) a brutalidade da polícia (Inocente? Todos dizem o mesmo), a tentativa de linchamento (it`s fun to see a men burning) a conversa em casa do governador na noite da execução (os born bad o está bem, padre, espero que quando Taylor morrer esta noite não nasça outra vez. Já fez neste mundo enough trouble). Fonda está no centro das grades, como o mostra esse espantoso plano da cela, com a portentosa distribuição de luzes e sombras.

Por isso, Eddie não acredita em nada nem em ninguém. O único auxílio que espera do mundo exterior é a pistola (os g salientes do diálogo sussurrado Get me a gun - a gun!). E só vê na verídica mensagem salvadora, outra armadilha. Recusa-se a lê-la e mata o padre. Agora fizeram de mim um assassino. Sabe disso quando ouve (no bar) o comentário irónico dos que perguntam como vai ser a cara dele, quando descobrir que matou o padre que o ia salvar. A segunda vez que as portas se abriram, foi para se fecharem completamente sobre ele. E começa a perseguição final, com o novo cortejo de denúncias (os homens da estação de gasolina, o velho dos cigarros).

E a terceira abertura de portas, a final? Houve quem a achasse piegas e sentimental, mas está em estricta coerência com a que Lang nos dera noutras epígrafes conclusivas de filmes seus (Der Mude Tod, M, Liliom, para só citar filmes anteriores). E é a contradição visível com o título. Se só vivemos uma vez, não há aléns de portas abertas. Fechou-se o mundo para o amor tão, tão bonito de Eddie e Joan (a mais bela história de amor da obra de Lang).

Se, neste filme, Lang amou (e de que maneira!) os seus protagonistas, o cerco que os envolve é o mesmo que envolve, sempre, todos os seus personagens. Breves momentos perfeitos (a mais inadjectivável sequência junto ao lago das rãs), a sequência do nascimento do bébé (we just call him baby) e a teia a apertar-se por todos os lados, em espaços cada vez mais cerrados: do hotel do início, ao automóvel do final, passando pela casa do balouço que não houve.

É já altura de se chamar a atenção para uma constante importante da obra de Lang: o mundo da luz é um mundo que envolve a condenação, um mundo venenoso. Noutro filme de Lang, Fury, depois do linchamento, nem Tracy nem Sidney suportam a luz. Aqui, as sequências capitais são sempre rodeadas de nevoeiro (o assalto ao banco, a noite da evasão, a noite final) e é o fósforo aceso por Sidney para acender o cigarro de Fonda (tirado do maço, cuja compra os perdera)* que se encadeia (e os encadeia) com a aparição da polícia. As fontes luminosas, como noutras obras as fontes de visão (televisão, filmes dentro do filme) são sempre catárticas, sinais da nemésis que se abate sobre os personagens (no mesmo sentido funcionam os óculos que o velho dos cigarros põe para ver melhor a cara de Sidney). Não há luz possível, num mundo onde impera (desde a primeira imagem) o plano da justiça.

You Only Live Once, obra que marca na história do "filme negro" uma data (é deste filme que "nascem" obras que vão de Gun Crazy e They Live by Night a Bonnie and Clyde) é um filme sobre o desesperado conflito entre a (des)ordem legal e a ordem do amor, À excepção de Eddie (cujo passado - cadastro - o marcara já para não acreditar na primeira), todos os personagens representam, inicialmente, o respeito pela legalidade. Só que a partir de certa altura, alguns começam a descobrir o outro lado. Se essa descoberta é mitigada em personagens secundários (embora muito importantes) como Whitney e Bonnie, é essencial no padre Dolan e em Joan.

O padre, cuja primeira aparição no filme é como guarda-redes duma equipa de basebol (só quando retira a máscara descobrimos o seu estatuto) está do lado da lei até quase ao (seu) fim. É ele quem impede Joan de dar a pistola a Eddie e, sabendo embora que vão matar um inocente, convive com os "carrascos" na noite da execução. Quando o governador se decide a mandar abrir as portas, é Dolan quem impede a passagem dessa decisão a acto, convencido ainda que um papel pode ser sinal representativo para Eddie. Mas o contracampo dos dois no nevoeiro é catársis de tudo. Se a morte do padre (leia-se do último valor moral, com função muito ambígua no filme) liberta Eddie, liberta-o também a ele. A última ordem que dá pode bem ser a compreensão final do absurdo da função medianeira que até aí exerceu. Só que já é muito tarde, como tantas vezes se diz em You Only Live Once.

Mais complexa é a evolução de Joan. Se é ela (como já se disse) quem convence Eddie a entregar-se, a partir da condenação deste decide-se a ir até ao fundo da outra ordem e a assumir-se igualmente e com as mesmas consequências, o estatuto da inversão. Por alguma razão, o primeiro beijo deles é entre grades, (no espantoso plano em que estas já se podiam abrir) por alguma razão é capital a outra conversa entre grades, em que Eddie lhe pede a pistola. Joan ainda objecta que "ele vai matar alguém" mas cala-se quando aquele lhe responde What do you think they`re going to do to me? (e o enquadramento inicial dá a ver Sylvia Sidney como num "écran", imagem de televisão dentro da imagem fílmica, dividindo a escala de planos e de valores).

Por isso, quando no vagão de comboio, Eddie lhe fala da morte do padre, Joan assume a sua própria "culpabilidade": If I hadn`t this silly belief in faith (Se eu não tivesse tido essa estúpida crença na fé).

A partir desse momento, a moral de Joan é a das rãs ("como Romeu e Julieta, se uma morre, a outra também"). Por isso, ela lhe pode dizer, no fim (nesses planos impossíveis de ver de olhar enxuto), que nunca estiveram tão perto e por isso pode ouvir como resposta: thanks Joe for loving me.

O resto é a luz inacreditável dessa caminhada final, com o corpo morto de Joan nos braços de Eddie e este a avançar no centro da mira telescópica do polícia.

Da presença, efémera e ameaçada de Sylvia Sidney (jamais tão bonita) ao olhar vazio de Fonda, o que vai sendo transmitido, como o apelo das sentinelas na noite, é a vertigem do caminho barrado e a definitiva suspensão de outro encontro que não seja a morte.

45 anos antes do filme de Spielberg, já não havia, neste mundo, lugar para as iniciais E.T. (Eddie Taylor)

* No script original, Lang queria que os cigarros fossem "Lucky Strike". Só não foi possível para não parecer publicidade
João Bénard da Costa

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

"You Only Live Once" - 1937




Nem tanto pela história, nem tanto pelo retrato social mas por esta cena - a peça central "armadilhada" do filme de Lang - , pelos olhares de Fonda que abarcam em si uma consciência comum, um descontentamento generalizado, e pelo retrato da violência (o contra-picado mais acidentado que eu já vi - Welles incluído - o assalto ao banco e a tal peça central).
Foi Claude Chabrol quem me ajudou a ver como Lang, reduzindo as escalas dos planos gradualmente, primeiro com o travelling para a frente e, por fim, com os close-ups fechados nos lados e à frente, também (o vidro que separa Fonda de Sidney), "faz" dessa cena uma das mais violentas do Cinema - crueza e brutalidade, e são só olhares, gestos ínfimos, planos "cortantes" - são coisas, coisas que ninguém faz agora, pormenores, lá está...
É ver Fonda, separado de Sidney pelo tal vidro, a olhar de "esguelha" para os dois lados e a pedir-lhe que se aproxime mais - ela fá-lo - o plano fecha, mais ainda, em Fonda, e ele sussurra de forma horrível a frase que ditará os acontecimentos da 2ª parte do filme: "Get me a gun, a gun, get me a gun". E é uma coisa terrivelmente simples...

Claro que a seguir à trilogia judiciária os estúdios tiveram que "abafar" Lang. Não se podia ter alguém a realizar de forma tão apurada e tão sem concessões (se nem agora há quem o faça), não naqueles tempos - era impensável...

* addendum: Qual Hitchcock, qual Preminger, foram Lang (na maior parte dos seus filmes) e Wilder (em algumas comédias mas em "Stalag 17" e "Ace in the Hole", principalmente) os mais cruéis retratistas da Humanidade, por isso é que a seguir a um Lang se deve ver um Kiarostami e a seguir a um Wilder, um Tati, são os antídotos...

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

"Haut Bas Fragile" - 1995





























Mais um Rivette, que é como quem diz mais uma obra-prima e como já se sabe, é dizer pouco. Não será tão bom como "Céline et Julie vont en bateau" que é um portento de filme como poucos o são mas é, também, encantador à sua maneira. Aqui, tudo leva o seu tempo (à volta de 3 horas) para haver justiça na representação, no retrato daquelas três mulheres, Louise, Ida e Ninon, seja através da sua relação com o espaço, onde cada gesto e cada comportamento contam, seja através da sua relação com elas próprias (passeios reflexivos e pausados) e com as outras personagens (as danças longas na discoteca, o jogo de cartas). Não é um musical tanto pelo "glamour" dos números mas mais pela relação íntima dos personagens com a Música (a música ajuda Ida a encontrar a sua mãe verdadeira e a dança é algo que nasce da mais natural das formas, pelo menos para Louise e Ninon).

E a quem se regressa? A Hawks, mais uma vez - e parte da trama faz lembrar "Gentleman Prefer Blondes" - a Minnelli, talvez, e a Donen, inevitavelmente:
"The inspiration of Up Down Fragile? The MGM low-budget films of the 50s that were shot in four or five weeks on sets left over from other films. In particular, a Stanley Donen movie, Give a Girl a Break [1953], a simple film shot in next to no time with short dance numbers."

Jacques Rivette
Mas o que mais me impressiona em "Haut bas fragile" nem é a corajosa e perigosa incursão pelo Musical (se bem que o incluísse aqui, se o tivesse visto antes), mas aquela opção de delinear o guião tendo em conta aquelas personagens, aquelas pessoas, vá (e da mais empática das maneiras, que, hoje em dia e para a maior parte dos filmes, parece ser pedir muito) e pontuando-o com os mais decisivos momentos das suas vidas (dirão que para todos os filmes é assim - OK, mas não desta maneira) mas de forma a não duvidarmos que o são por um único momento.

Para isso contribuíram, muito certamente, os actores, porque como noutros filmes de Rivette, escreveram as suas personagens, e aí, e por isso mesmo, atinge-se um nível de cumplicidade máximo e, sobretudo, um nível de "apagamento do autor", que era um dos objectivos de Jacques Rivette, o mais secreto dos génios. Pois é, ainda não o tinha tratado por tal, aqui. Pois então, Rivette é um génio e, acreditem ou não, para mim há poucos...

Leituras complementares: Crítica de Jonathan Rosenbaum / Crítica de Ruy Gardnier

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Planos (II)



A arte do enquadramento

"Some Came Running" de Vincente Minnelli

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Blog do Núcleo


Link do blog do Núcleo de Cinema da UBI, do qual faço parte
Também vou escrever por lá, de vez em quando... passem por lá, se quiserem...

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Planos (I)

















"Rebel Without a Cause" de Nicholas Ray