sábado, 29 de agosto de 2009

"Inglourious Basterds" - 2009


Da construcção das sequências como "peças de conversa" (Luís Miguel Oliveira), à procura de coincidência da palavra com a imagem (João Lopes), já bastante foi dito sobre o filme, que, para usar poucas palavras, é uma Obra-Prima. A segunda de Tarantino.

Melhor filme do ano (adeus Public Enemies), melhor argumento de Tarantino, e melhor filme de guerra (o rótulo é se calhar muito redutor) do novo Milénio.

Um filme onde pensamos, ao mesmo tempo, em Renoir e Leone e também um filme onde as referências cinematográficas são matéria palpável, verdadeiras armas e não apenas deleite para cinéfilos (não fossem alguns dos heróis do filme, críticos, actores, actrizes).

E se é verdade que já Chaplin e Lewis fizeram o que Tarantino fez, (re)inventar a guerra, o uso da Língua, da Palavra para sobreviver no contexto da Guerra é (acho eu) coisa nova. Batalhas não campais, mas verbais, os disfarces descobertos pelos sotaques e as armadilhas montadas através da Palavra e da Retórica: a sequência de abertura é portanto, e nesse sentido, não menos que fabulosa.

Fabulosos são os actores também: destaque para Waltz (que num mundo perfeito ganharia o Óscar de Melhor Actor) e Málanie Laurent, que, a bem dizer, é a heroína do filme.

Melhor argumento de Tarantino, melhor filme também, e, quem sabe, o filme com melhores interpretações do realizador (se bem que ache que esse seja mesmo Pulp Fiction).

Basterds é um filme de oficiais (como La Grande Illusion), uma carta de amor ao cinema (Godard, Carpenter), às Mulheres (de Pulp Fiction a este filme foi algo que Tarantino sempre fez), é um western spaguetti (Castellari, Leone) e um filme de guerra (como Cross of Iron de Peckinpah), mas é também um filme teórico e conclusivo em relação ao uso das palavras.

É, para 2009 (quanto a mim), o que Gran Torino foi para 2008.

Crítica de Luís Miguel Oliveira
Crítica de João Lopes

"Comecei a escrever e de repente estava parante a cena entre Zoeller (Daniel Brhul) e Shosanna (Laurent), e eles estão a falar de Max Linder, Chaplin e Pabst... e de repente, Bum!, um filme sobre a segunda guerra mundial transforma-se numa carta de amor ao Cinema."
Quentin Tarantino

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

"Prince of Darkness" - 1987



Segundo tomo da trilogia do Apocalipse (assim intitulada por Carpenter, a trilogia começa com The Thing, em 82 e acaba com In The Mouth of Madness, de 94 e é temática, não sequencial), Príncipe das Trevas é junto com esses dois filmes (e com Escape From L.A., Cigarrette Burns, Assault on Precinct 13, The Fog, They Livee Halloween) uma obra-prima.

Foi criticado, completamente desancado, na estreia como o foram aliás todos os filmes de Carpenter nas respectivas estreias. O New York Times escreveu isto na altura:
''Prince of Darkness,'' which opens today at the Movieland and other theaters, is a surprisingly cheesy horror film to come from Mr. Carpenter (''Halloween,'' ''Escape From New York,'' among others), a director whose work is usually far more efficient and inventive. Martin Quartermass, whose first screenplay this is, overloads the dialogue with scientific references and is stingy with the surprises. You may well suspect things are not going to go well when the movie spends its first 15 minutes intercutting between the opening credits and scenes introducing the characters.
Acharam que o guião de Martin Quatermass tinha referências científicas a mais. Provavelmente também acharam que a montagem de John T. Chance para Assault on Precinct 13 era presunçosa e excessivamente manipuladora ou que o guião de Frank Armitage para They Live era além de ridículo, muito 'left wing'. Carpenter nunca foi compreendido nos Estados Unidos (como muitos outros: Lewis, Welles) e em meados dos anos 80, os Cahiers du Cinema aclamaram Carpenter como autor. Oliver Assayas e Charles Tesson tiveram que fazer com Carpenter e Cronenberg (que estavam à margem da Hollywood consolidada, a Nova Hollywood - Spielberg, Scorsese, Coppola) o que Truffaut e, entre outros, Rivette, fizeram com Hawks e muitos outros, o que reconciliou de certa forma a América com o seu Autor.
"You try to make a studio picture your own, but in the end it`s their film.And they`re going to get what they want. After that experience I had to stop playing for the studios for a while and go independent again."

"Depois das minhas atribulações com as "majors", sobretudo por causa de Big Trouble in Little China, as pessoas da Alive Films vieram ter comigo e deram-me carta branca para realizar um filme de terror. Foi Prince of Darkness, que pude controlar da primeira à última imagem. (...) Um filme em primeiro grau, brutal e sem concessóes. Fi-lo sob o efeito da raiva e creio que isso se sente, com muita força, ao longo de todo o filme. É que Big Trouble in Little China e Prince of Darkness correspondem a um período muito difícil da minha vida profissional."

John Carpenter

Príncipe das Trevas foi feito em 1987 por 3 milhões de dólares e em apenas 20 dias de rodagem, e praticamente num só cenário, uma Igreja. Foi feito depois dos grandes desentendimentos com as "majors" (que se deram após o "flop" de "The Thing" por causa das concessões artísticas a que Carpenter foi obrigado nos 3 filmes seguintes: Christine, Starman e Big Trouble in Little China), com os estúdios de Hollywood. Desse desentendimento nasceu um filme independente (seguir-se-ia outro - They Live) como Assault e Halloween o eram. Príncipe das Trevas marca então um regresso às origens, um renascimento, também.

É em Prince of Darkness também, que convivem todas as obsessões, temas e motivos da obra de Carpenter. É um 'siege movie' como Assault e Ghosts of Mars, é um anúncio do Anti-Deus como Pro-Life, uma metáfora para a doença como The Thing, um filme assente em profundas raízes literárias como The Fog (Poe) e In The Mouth of Madness (Lovecraft) e que lida com a iminência do Apocalipse (The Thing, Escape From L.A., In The Mouth of Madness, Ghosts of Mars e Cigarrette Burns).

"Na minha modesta opinião, Howard Hawks foi o maior cineasta americano"
"Luis Buñuel é um dos meus cineastas preferidos"

John Carpenter

Carpenter cruza também imensas influências em Prince of Darkness. De The Twilight Zone ao já citado H. P. Lovecraft, passando pelo sempre referenciado Howard Hawks (do primeiro ao último filme, Carpenter faz sempre transparecer o amor que tem pelo realizador) e por Luis Buñuel (e há vários pontos de ligação com El Angel Exterminador, por exemplo).

Faz aliás, todo o sentido aproximar Carpenter de Buñuel. Seja pela anarquia e cepticismo que atravessam todas as suas obras, ou (e nos casos concretos de Prince of Darkness e El Angel Exterminador) a crítica vincada à Igreja e à religião.

O filme é uma ode ao desconhecido, um passeio pelo limiar da realidade e a mais secreta e misteriosa obra de Carpenter, o seu tesouro mais bem guardado.

Bibliografia: "John Carpenter - Memórias de um Homem Bem Visível"

Quem não viu o filme, não deve continuar:

A Ciência explica o "como" não o "porquê". Carpenter referencia o paradoxo de Schrodinger no filme: um gato é posto numa caixa junto com veneno e é depois fechado, permanecendo vivo e morto ao mesmo tempo, porque só quando se abre a caixa é que se vê se ele está ou morto ou vivo. A realidade só existe quando existe também alguém para a percepcionar.

Carpenter leva o paradoxo às suas mais misteriosas e dúbias consequências.

No final do filme (e ninguém em Hollywood tem coragem para acabar um filme desta maneira), Carpenter no perfeito pico da sua arte, baralha toda a realidade e toda a fantasia. Atira um "amanhem-se" visceral e literal ao espectador naquele que é o melhor final do Mundo, uma lição da duração e articulação entre planos, de realização, de montagem sonora, de TUDO:


quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Uma Viagem Pelo Musical - 5



Para encontrar grandes Musicais a partir de 1960 (ano de "Bells are Ringing"), é preciso sair da América, mudar de Continente. Se bem que haja coisas interessantes: por todas as suas falhas (e são muitas), "Marry Poppins" (Robert Stevenson), "My Fair Lady" (Cukor) e Finian`s Rainbow (Coppola) têm algum interesse, mas o penúltimo filme de Vincente Minnelli (mais uma vez Minnelli) e último Musical "On a Clear Day You Can See Forever" de 1970 é para mim mais bem conseguido que qualquer um dos outros. E é o pior filme dele. Sobre Wise e os seus Musicais, já disse tudo aqui.


Europa, França, 1961. Godard e Anna Karina na terceira longa metragem do primeiro, e no primeiro e único Musical de ambos: "Une Femme est une Femme". Jean-Paul Belmondo e Jean-Claude Brialy completam o elenco. Musical? Pois, também passa por aí, mas é antes disso um profundo estudo sobre as relações entre os homens e as mulheres, uma comédia ao estilo de Lubitsch e uma ode à Mulher ou a uma mulher (Karina).
É um sem fim de referências e citações ( Truffaut, o próprio Godard, "Vera Cruz" de Robert Aldrich....), um Musical adulto, uma reinvenção (os mesmos motivos, mas sob uma nova perspectiva) e um Musical realista (ou neo-realista nas palavras do próprio Godard). É também um prodígio da montagem e da encenação. E aquele scope é a todos os níveis magnífico.
A música é de Michel Legrand, também autor da Música dos dois próximos Musicais e um dos maiores nomes do Musical em França. O maior é o realizador desses dois filmes.


Jacques Demy. Rei do Musical em França e merecedor de menção junto aos dois grandes do Musical de Hollywood. Detentor de uma mágica filmografia e interligada (não só em termos temáticos, mas no que aos personagens diz respeito, como a de Tarantino) É o mundo maravilhoso de Jacques Demy, um mundo à parte. O mundo de um verdadeiro autor.

"I'm trying to create a world in my films."
Jacques Demy

1964, "Les Parapluies de Cherbourg". É um filme maravilhoso, melancólico também, o relato de um amor impossível, e se houve muitos no Cinema, não se pode dizer o mesmo para o Musical em particular. Inovação, portanto. Mas ela não acaba aqui: o filme é todo cantado (do princípio ao fim) e a mais normal das actividades torna-se na mais mágica das actividades, o banal torna-se excepcional e o normal, maravilhoso. As cores são saturadas ao limite, contribuindo para toda a atmosfera de sublime, e por falar em sublime: Catherine Deneuve. Nunca ela foi tão bela como quando trabalhou com Demy, o poeta do sonho.
O filme arrecadou a Palme D`Or no Festival De Cannes e é já um brilhante prenúncio da enorme maravilha que se seguirá 3 anos depois na obra de Demy.


1967. Ano da enorme maravilha que dá pelo nome de "Les Demoiselles de Rochefort". Com este filme - uma obra-prima - Demy desenha o mais belo dos Musicais e dos filmes. Se em "Parapluies" a Vida é um Musical (como em todos os musicais), aqui o Musical é a Vida, é a única maneira de viver, de comunicar. É uma demanda espiritual, vem de dentro de todos nós.
Demy tomou de assalto uma cidade (Rochefort), resgatou uma estrela que estava nesta altura em declínio (Gene Kelly) e construiu a mais fabulosa das fantasias, uma obra perfeitamente doutro mundo ("Parapluies" ainda tinha contactos com a realidade) e achava que só Tati era capaz de tal desprendimento da realidade, Minnelli também. Estava enganado.
A sequência de abertura é o pico da coreografia cinematográfica e a mais perfeita introdução a um filme, a passagem para Rochefort, para Demy. Toda a gente tem a sua cara metade, e Rochefort é o centro, o cruzamento de todo o Amor e de toda a Vida.
Catherine Deneuve de novo, aqui junto à sua irmã Françoise Dorléak, Gene Kelly, Michel Piccoli, George Chakiris e Jacques Perrin, todos em perfeita sintonia neste épico dos encontros e dos desencontros. Perfeito.


"Tu es née d'un rêve, d'un trait de couleur,
Un bout d'arc en ciel s'est posé sur mon coeur
Je t'imaginais, tu vivais en moi
Soudain tu parais, je m'approche, je te vois
On s'est retrouvés, on s'est reconnus
Quand toi et moi on ne s'était jamais vus
Comme si le hasard qui guidait nos pas
Me menait vers toi, te conduisait vers moi
Je t'aime, je t'aime, je t'aime depuis toujours
Tu es la seule
Ma seule chanson d'amou"

Fim da 5ª Parte

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

"Artists and Models" - 1955


Abigail "Abby" Parker: "Have you ever pose with a woman before?
Rick Tard: Well, not while anyone was watching..."
Dean Martin, Jerry Lewis e Shirley Maclaine num filme de Frank Tashlin.
Como filme de e sobre parcerias (amorosas, profissionais), este é também o começo de duas delas: Jerry Lewis e Frank Tashlin fariam mais sete filmes juntos depois deste, e Shirley Maclaine e Dean Martin mais 6 filmes, incluindo aquela obra-prima de Minnelli, do Melodrama e do Cinema, "Some Came Running".
"Artists and Models" é uma espécie de comédia, de Musical, de filme de espionagem. É uma espécie de maravilha, um desfile de personagens excentricamente "cartoonescas" (não tivesse vindo Tashlin do mundo da animação) e uma crítica vincada ao "american way of life" (materialismo, conspirações).
Uma obra-prima da comédia americana (vários de Hawks, de Lewis, "Adam`s Rib" de George Cukor, "The Party" de Blake Edwards.......) e o melhor filme da dupla Martin/Lewis.
Fantasticamente real, realmente fantástico...
E ainda bem que o cinema de Tashlin deixa descendentes. Tanto Tim Burton (mas só o que fez "Beetlejuice", "Mars Attacks" e "Willy Wonka") como Joe Dante (autor esquecido, mas brilhante ainda assim - tanto "Gremlins" como "Small Soldiers" são excelentes filmes) são legítimos sucessores do realizador.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

"Public Enemies" - 2009



Melhor filme de 2009, junto com Singularidades de Uma Rapariga Loura, de Manoel de Oliveira.

É verdade que está um pouco abaixo de outros filmes do realizador (Heat, Miami Vice), mas ele é dos poucos que consegue dar credibilidade ao "blockbuster" hoje em dia. E ninguém mais em Hollywood consegue filmar tiroteios assim. Johnny Depp, Christian Bale e Marion Cotillard com interpretações magníficas.

Os dois lados da lei numa batalha complexa em termos morais como já tínhamos visto em Heat. Os momentos de reflexão, os dilemas, as preocupações. Todos no filme são pessoas, não há condescendências, nada é a preto e branco.

Mann filmou em digital e em vários dos locais em que Dillinger esteve, para a impressão de realismo e de facto resultou, estamos nos anos 30 e não num filme sobre os anos 30. Há várias referências a filmes do mesmo género: Dillinger vê Manhattan Melodrama com Clark Gable (naquela que é uma cena perfeitamente inadjectivável) e há referências a White Heat de Raoul Walsh, Scarface de Howard Hawks e claro, The Public Enemy de William A. Wellman.

A Academia aumentou o número de nomeados este ano. Esperemos que o tenha feito para assim nomear este filme e outros que não estreiam na "temporada óscar".

Grande filme de Michael Mann.

E aquele final é qualquer coisa....

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

"Which Way To The Front?" - 1970



A 2ª Guerra revisitada e reinventada por Jerry Lewis; reflexo da sua personalidade e da sua visão do Mundo como o são aliás todos os seus filmes. Excêntrico, anárquico e revolucionário. Incompreendido, também.

Celebrado nos anos 50 e 60 como actor sob a alçada de Frank Tashlin, Lewis (o realizador) nunca teve a aclamação que lhe era devida, e é hoje quase um cineasta obscuro. Se bem que não me passe pela cabeça dizer que seja superior a Chaplin ou Keaton, ele é descendente dessa linhagem de comediantes (como Tati e Peter Sellers), de "fazedores" de comédia que actualmente não tem, muito infelizmente, seguidores. Talvez só Jim Carrey.